[AVISO: esta review pode conter informações consideradas spoilers, apesar de eu discordar por se tratar de uma história sobre uma pessoa que realmente existiu.]
Estes últimos dias têm sido bem complicados na minha vida e para não deixar que certos pensamentos retornem o tempo todo, eu fiz uma maratona de filmes diversos dentre os quais estava “The Danish Girl” ou “A Garota Dinamarquesa”. Eu já havia expressado em 2015 no meu perfil pessoal do facebook, que só daria uma opinião depois de ver o filme e após digerir minhas impressões por um dia, resolvi fazer a review. (O fato de eu também estar tentando fugir do sono é mais um agravante).
A Garota Dinamarquesa falar sobre Lili Elbe (que no filme ficou como Wegener), a primeira mulher transexual a passar por cirurgia redesignadora no mundo. Talvez algumas das pessoas que estejam lendo esta review não me achem capaz o suficiente para fazer uma analise satisfatória do filme, mas ressalto que fiz o meu melhor. Também vou adiantar que não usarei pronomes de gênero masculino nesta review ao me referir a personagem Einar (Ele, O, dele e etc).
O filme pode ser dividido em dois pontos de abordagem totalmente distintos. “Ponto de vista de Lili” e “Ponto de vista de Gerda”. A primeira é para ser a protagonista e a segunda, a esposa de Einar. Eu tentei assistir ao filme com o olhar mais critico e atento possível e talvez tenha visto coisas de mais, mas acho que a Universal Filmes se embananou legal na construção do que poderia ter sido uma linda biografia.
Vou começar com o “Ponto de vista de Lili”. Por esta ótica podemos ver as angustias que uma mulher transexual sofria na década de 20 (1926), que é quando se passa a história. Destaque para a série de médicos que ela busca, ainda sob o nome de Einar, para conseguir algum apoio. Mas recebe os mais diversos diagnósticos, desde esquizofrenia até desvio sexual. Vale citar a cena em que Einar foge pela janela, através de uma escada de incêndio, enquanto que alguns enfermeiros caminham em direção ao consultório munido de uma camisa de força.
A pessoa que se apresenta como Einar suprimiu seu verdadeiro eu por tantos anos, que não sabe como lidar quando ela começa a vir a tona, tentando ser vista e ouvida. As cenas em que Lili aparece são as mais suaves e delicadas do filme.
O primeiro “despertar de Lili”, vamos dizer assim, acontece quando a esposa de Einar, Gerda pede que vista as meias e sapatilhas de uma bailarina, para que ela possa terminar um quadro em que está trabalhando. E é quando Einar sente-se confortável usando aquelas peças, ao mesmo tempo em que a tal bailarina chega ao ateliê e ao ver os dois, dá a Einar o nome de Lili (Lírio em dinamarquês). Em seguida acontece uma sequência em que Gerda leva Lili devidamente vestida, maquiada e arrumada, a uma festa, como sua acompanhante. A partir daí Lili começa a fazer aparições esporádicas o que começa a perturbar Gerda, que acreditada que tudo não havia passado de uma brincadeira.
Preciso dizer que uma das cenas que eu gostei é quando Lili entra em um guarda-roupa da companhia de ballet, pelo que eu entendi, fica nua em frente a um espelho e após ocultar entre as coxas a parte que não condiz com sua definição de corpo, ela sorri maravilhada. Eu posso estar falando besteira, mas pra mim, essa cena foi de uma delicadeza única, pois pela primeira vez em todos aqueles anos ela finalmente pode ver como aquele corpo deveria ser para que se sentisse confortável habitando-o. Na verdade todas as cenas em que Lili aparece sozinha ou interagindo com outras pessoas que não seja Gerda, são dignas de total apreciação.
Agora “O ponto de vista de Gerda”. Enquanto Lili está começando a surgir, Gerda se desespera tentando vender quadros que nenhuma galeria deseja. Até que um dia ela pinta um retrato de Lili, o qual é adquirido de pronto. E então elas começam uma parceria, Lili posa e Gerda pinta. Mas Gerda começa a ficar incomodada quando Lili permanece em tempo integral, pois com isso, ela não vê mais Einar. No primeiro momento, Gerda leva Einar a um “especialista” que aplica uma série de sessões de radioatividade para “curar o desvio sexual”. Mas quando ela recebe uma carta informando que irão internar Einar, não pensa duas vezes, faz as malas e fogem para Paris. O relacionamento das duas é algo bastante conturbado, mas apesar das varias discussões, nos momentos em que Lili mais precisa de apoio e suporte emocional, Gerda está lá para ela.
Ao mesmo tempo em que um amigo de infância de Einar conhece Gerda e começa a nutrir sentimentos por ela, mas a moça não permite qualquer avanço, por ainda considerar-se casada. No fim são esses dois que dão o apoio que Lili precisa.
Eu sei sobre toda a polêmica em cima do fato de terem colocado um ator cis para interpretar Lili e apesar de também concordar que uma atriz transexual teria feito um trabalho tão bom ou até melhor, preciso admitir que Eddie a representou de forma respeitosa e sincera a ponto de conseguir me cativar. Algo difícil.
Infelizmente, minha opinião final é: o filme é confuso porque apresenta a personagem, primeiro como uma diversão criada pela esposa, então como um fetiche de um pintor recluso, em seguida como uma segunda personalidade que surgiu de repente, e só então, quase no final do longa-metragem, a própria Lili explica a Gerda que sempre existiu, mas foi suprimida por Einar, que tinha medo de represálias. Só ai ela é representada como uma mulher transexual e reconhecida como ser humano e não como um objeto raro.
Decepcionei-me muito com A Garota Dinamarquesa, especialmente por dois fatores: a confusão que o estúdio fez em contar a história de Lili (matando-a logo após a cirurgia redesignadora, pois, segundo minhas pesquisas, ela faleceu em decorrência de uma cirurgia frustrada de transplante de útero, ou seja, ainda teve a chance de experimentar a sensação de ter um corpo que condizia com sua mente), sua história podia ter sido centrada nos anos em que ela viveu após a primeira cirurgia e transmitido aos espectadores um pouco da felicidade que Lili com certeza sentiu ao ser como ela sempre sonhou.
O filme podia ter terminado com Lili e Gerda passando bons momentos juntas em uma festa ou algo parecido e ai sim, a tela ficaria escura e através de texto informar que Lili faleceu aos tantos anos de idade.
E houve também o foco excessivo em Gerda. Parecia até que o filme era sobre ela. A primeira e ultima cena do filme são focadas nesta personagem. É compreensível que os roteiristas quiseram mostrar o lado dela, que foi surpreendida com a informação da recente existência de Lili, mas a exploração da narrativa não foi nada satisfatória e ainda ofuscou a protagonista, que devera ser Lili.
Eu revi o trailer para poder terminar esta review e, como todos sabem, no trailer eles compilam as melhores sequências do filme para que você sinta vontade de assistir e realmente, com base naqueles três minutos de vídeo, eu tive muito interesse em ver. O trailer prometia ser algo suave e que ao mesmo tempo, seguiria a personagem Lili até o fim de sua jornada. Mas, o que eu vi foi bem diferente. A história se arrasta e então, nos últimos 20 minutos foi enfiado as pressas a cirurgia dela, o pós-operatório e então a morte, que como eu disse mais acima, foi apressada, acredito eu para dar aquele famoso “quê dramático” que esses grandes estúdios tanto gostam, mas que a meu ver foi um verdadeiro tiro no pé.
Enfim, se o estúdio e os roteiristas tivessem se dado ao trabalho de darem mais atenção a história de Lili como ser humano e a sua luta para se sentir completa, ao invés de tentarem intercalar tais situações com os acontecimentos da vida de Gerda, o filme teria sido muito mais sincero. E se essa é a ideia que os grandes estúdios de Hollywood fazem de representar uma mulher transexual, eu digo apenas que eles ainda precisam aprender… Muito.
Você pode baixar o filme [via torrent] AQUI
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